Cultivar e administrar patrimônio: um desafio diário
Construir patrimônio é difícil. Para a maioria, é o resultado do esforço de uma vida, a passos suados, de grão em grão. Para complicar, descobrimos na caminhada que os avanços conquistados não são simplesmente “casos encerrados”: é necessário administrá-los, preservá-los, permitir-lhes o espaço adequado para crescer e frutificar, para que possam servir de fundação para os projetos seguintes ou de porto seguro para o descanso.
Esta é uma preocupação que diz respeito a todos os indivíduos ativos da sociedade — empresários, pessoas jurídicas, empregados, profissionais liberais etc. Contudo, o assunto é mais delicado quando esse patrimônio é pessoal e familiar. Não é difícil entender o porquê: além dos imprevistos e riscos naturais do mundo dos negócios, há ainda a influência da relação com cônjuge e filhos, casamentos e divórcios, desentendimentos, óbitos, dentre outros. Não há quem não tenha ouvido falar de alguma família que tenha se arruinado financeiramente em décadas de brigas judiciais por heranças, por exemplo. Não é incomum a estabilidade financeira de um grupo familiar se desestruturar em consequência de um divórcio, divergência de interesses ou mesmo de valores.
Não é possível impedir desentendimentos familiares e, apesar do que se ouve aqui e alhures, não existe uma “blindagem patrimonial” capaz de tornar alguém imune a surpresas. Há, contudo, maneiras de trazer a administração dos bens para um campo mais estável, protegido e previsível. Uma delas é a holding.
Holding é um nome novo dado a uma prática já antiga no mundo empresarial brasileiro. Em bom português, é a sociedade de participação. O nome já sugere sua utilidade: sua função geralmente é concentrar, numa única pessoa jurídica, ações e quotas de outras sociedades, seja para concentrar num só lugar o destino dos rendimentos, seja para centralizar e uniformizar o controle dessas sociedades — sociedades como Itaú, Bradesco e Grupo Globo fazem uso dessa técnica. É uma forma de segregar patrimônio de forma organizada, facilitando a gestão, o controle societário, tributário e contábil.
Parece complexo e, no caso de gestão de grandes sociedades empresárias, realmente pode sê-lo. Mas a holding não se limita a operações financeiras vultosas ou a conglomerados empresariais. Trata-se de uma técnica jurídica, concebida para colaborar com a sociedade em geral, perfeitamente adaptável aos diferentes tipos de operações às quais se destina a auxiliar — grandes e pequenas. Sua ideia principal é, na verdade, simples: agrupar numa só pessoa jurídica um conjunto de bens. É a finalidade desse “ajuntamento” que determinará o nível de complexidade na criação e manutenção desse tipo de sociedade. Por isso, a estratégia pode e vem sendo aplicada também em pequenas e médias empresas e até mesmo no patrimônio familiar, objeto deste pequeno estudo.
Primeiro, é importante explicar que a holding não é uma panaceia nem uma solução pré-moldada para todos que queiram utilizá-la. Não é sequer a única solução existente para o que estamos cuidando neste resumo. Compõe uma das muitas ferramentas de administração patrimonial, todas à disposição do indivíduo. Pode ser muito útil para uns, mas não será para todos. Em certos casos, será mesmo desaconselhável. A adequação dessa estratégia às necessidades de uma pessoa é verificada apenas com uma análise detalhada e atenciosa tanto do patrimônio quanto dos interessados em melhor geri-lo. Prossigamos.
Pelo que vimos até aqui, já é possível compreender a razão que leva um Itaú S.A. ou uma Coca-Cola S.A. a criar uma holding para gerir as empresas que controla. Mas, num âmbito familiar (com patrimônio e movimentações incomparavelmente menores e menos complexas), qual seria a utilidade de criar algo nesses moldes?
No Brasil, as relações familiares a relação destes com o patrimônio são regidas pelo Código Civil na parte de Direito de Família e das Sucessões. Uma legislação desse tipo naturalmente precisa manter suas regras amplas, generalistas, diante da impossibilidade de se entrar em questões tão específicas, espontâneas e imprevisíveis quanto a vida dentro de um lar. O legislador preferiu, acertadamente, não tentar regular esse aspecto da vida do indivíduo, escolhendo tecer as regras mais distantes, deixando a cada um o poder de construir a própria rotina ou, em caso de desentendimentos irremediáveis, ao juiz para avaliar e solucionar cada caso concreto.
Essa impossibilidade traz consigo, obviamente, um cenário bastante vulnerável a desentendimentos e imprevistos. As regras gerais do Código Civil muitas vezes não correspondem bem à realidade da pessoa, ou não atendem realmente às necessidades da família. As precauções do legislador às vezes acabam interferindo de forma prejudicial ao desprevenido. Mesmo a morte, uma das poucas certezas da vida, é capaz de paralisar completamente os bens de uma família por anos. E não só isso: como já mencionamos acima, quando o assunto envolve dinheiro, parentes até então amistosos tornam-se ferrenhos adversários, cônjuges transformam-se em inimigos.
A criação de uma sociedade projetada para funcionar como holding é capaz de retirar o patrimônio dessa imprevisibilidade e submetê-lo a um campo do Direito muito mais acostumado a prevenir conflitos e fazer valer acordos, a saber, o Direito Empresarial. Os familiares, até então vinculados ao genérico Direito Familiar, ganham a oportunidade de personalizar as próprias regras. Passam a ser regidos por um Contrato Social ou Estatuto que eles mesmos pactuaram — regras que serão respeitadas não só por quem integra a holding, mas por quem desejar entrar e mesmo para quem está “de fora”. Além da evidente contenção de conflitos, a ferramenta traz alguns benefícios, dentre os quais destacamos quatro:
A criação de uma holding pode ser uma ferramenta muito útil e benéfica como forma de planejamento patrimonial. Mesmo que exija um investimento inicial para sua criação (tributos, consultorias jurídica e contábil, confecção da documentação), traz como retorno estabilidade, previsibilidade e eficiência na administração de bens, além de colaborar na manutenção da harmonia em família. É, contudo, uma prática que exige responsabilidade.
Holding, nome moderno da sociedade de participação, não é um artifício jurídico para “blindar” patrimônios: é uma atividade empresarial e, mesmo em família, deve ser tratada como tal. Sua eficácia depende do comprometimento dos envolvidos e boa orientação jurídica, administrativa e contábil, para que a sociedade possa atingir os objetivos de seus sócios.
Por isso, a criação de uma pessoa jurídica com essa finalidade deve sempre ser precedida de uma consulta com profissionais qualificados, mais dispostos a ajudar do que a tentar encontrar compradores para o seu “produto jurídico”.